Esse
tempo chuvoso aqui na fronteira convida a ficar em casa e botar a leitura em dia,
foi o que fiz. Estou lendo “Olhares sobre Jaguarão”, de Eduardo Souza Soares e Sérgio da Costa Franco. Cheguei à
metade, a cada novo olhar não posso evitar fazer comparações com os dias de
hoje. A cidade cresceu, o cemitério agora não fica tão afastado da cidade, os
casarões ainda circundam a praça, a matriz continua de costas para o rio, temos
mais escolas, uma universidade pública, a enfermaria militar vai virar museu,
Jaguarão é patrimônio histórico, mas, e as pessoas?
Podemos
ver que tivemos alguns avanços em termos materiais, mas ainda temos ruas sem calçar,
esgoto a céu aberto, isso pode e vai ser resolvido no devido tempo. Com o
advento dos free shops (não sei se é assim que se escreve, nunca fui muito boa
em inglês) a cidade recebe muitos turistas, fazendo com que sua economia
cresça, pelo menos na área de hotelaria e restaurantes. Nossas portas são
famosas no Brasil inteiro, temos o primeiro patrimônio binacional, a ponte
Mauá. Possuímos muitas belezas naturais, a começar pelo rio Jaguarão cercado de
matas nativas e com variedade de animais silvestres e aves. Continuo a
perguntar, e as pessoas?
A
narrativa contida no livro é extremamente rica, principalmente as cartas do
cônego Thomas Aquinas Schoenaers, dando uma idéia de como se vivia e como eram
os habitantes desta cidade fronteiriça. Nas cartas em que fala dos hábitos e
costumes há uma passagem interessante:
“Deveis saber que o povo de
Jaguarão não trabalha, pelo menos foi o que ontem, ao regressar a casa, Cônego
Paulo me disse:“ Observa, Thomas. Se tu
encontrares uma pessoa trabalhando podes ter certeza que é estrangeira.” Donde
se deduz que nossos cidadãos, para matar o tempo, se debruçam nas janelas escancaradas
ou passeiam pelas ruas. ”(SOARES& FRANCO, 2010, p. 73)
Outro
aspecto que gostaria de salientar é a relação entre negros e brancos, relação
essa descrita em uma das cartas enviadas pelo Cônego Thomas a seu superior na
Bélgica e que estão transcritas no livro Olhares
sobre Jaguarão:
“[...] nosso fervoroso
vigário organizou o Apostolado da Oração. Quatro senhores e senhoras formavam o
núcleo central. [...] os pretos, cujas
almas são muito menos negras que as dos brancos demonstraram interesse em ingressar... [...]
vetaram aqueles: negros, fora! [...] e obrigaram o Reverendíssimo Vigário a retroceder
que, outra coisa não pode fazer que rejeitar os negros. Assim ocorre em suas
sociedades onde o negro é mantido à margem.”
(SOARES & FRANCO, 2010, p. 77)
As
minhas perguntas anteriores são feitas justamente a partir das reflexões em
torno desses e de outros trechos dos olhares dos forasteiros. A cidade mudou
fisicamente, mas e as pessoas? Essas também mudaram? Ou continuam com os mesmos
hábitos do inicio do século passado? Termino recomendando a leitura do livro
dos nossos conterrâneos e que reflitam sobre cada olhar.
Acadêmica
do 6º semestre de Letras - UNIPAMPA
Texto publicado no jornal Fronteira Meridional, edição de 17/08/2011
3 comentários:
O que me inquieta com o desenvolvimento do nosso torrão natal é a derrocada que vem acontecendo com nossos clubes sociais e esportivos, mesmoo após as fusões ocorridas. Será que tudo isso não seria resultante da incompetência de seus administradores? Francamrnte me parece que hoje em dia, salvo honrosas exceções, só ficamos esperando aquilo que venha a cair do céu, de mão beijada...
Don José,fui presidente da Associação Cruzeiro Jaguarense nos anos 90. Realmente a crise nos clubes sociais é muito grande e na época já lutávamos com grandes dificuldades. Um dos fatores fundamentais é a perda de sócios. Um dos motivos é que o carnaval, que era uma grande atração dos clubes e exclusivo para sócios, foi para a rua onde está tendo um tremendo sucesso e participação popular. Esse é só um dos fatores. Mereceria uma investigação maior.
Ilustre Passiano, então você é uma das honrosas exceções:
Embora â distância, tenho acompanhado sua atuação comunitária, onde constato os desafios encarados pela sua liderança na SIC, além da campanha política como candidato a prefeito da nossa cidade, com o que já o posso consriderar um dos raros EMPREENDEDORES dos dias de hoje.
Outro fator a ser levado em conta diz respeito ao advento da televisão que alienou de forma nefasta a participação de nossa gente na vida comunitária.
A nostalgia parece se enraizar em nosso tempo sem quaisquer outras opções.
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