Estou em falta. Comigo
mesmo, com as palavras que sempre me levaram a todos os lugares onde fui. Estou
em falta. Falta com os sonhos transcritos ao papel, com a musa que grita aos
meus ouvidos suas histórias, e eu, por preguiça ou descaso, não faço contar.
Em falta com os meus,
os que me leem, os que nunca me lerão, os que fingem que se interessam e
aqueles que um dia realmente hão de se interessar, ando em falta com coisas
demais, coisas que cobram seu preço, nas horas de sono, do meu sonambulismo dormido.
Em falta com o lugar
de onde vim, com as coisas que são minhas e me esperam em cada curva que meus
caminhos retos inventam. Com as águas do rio da minha terra, com as caminhadas
noturnas pelos corredores dos meus amores gastos, pelas ruelas da minha infância
ainda gravadas naquele espaço de mundo, que é só meu, e também dos meus.
Ando em falta com
aquelas voltas na praça, com o meu lar na fronteira, metade rio, metade sonho,
metade adeus, metade até breve. Minhas metades avolumadas sob o véu dos idiomas
híbridos, daquela voz que ressoa igual tanto de um lado quanto do outro. Ando
em falta com meu espanhol, e meu português anda com saudade do portunhol. Ando
em falta com meus continentes, com minhas canções e com meus poemas. Ando em
falta comigo mesmo, com quem sou e principalmente com quem quero ser.
Nicolás Gonçalves
Texto publicado na coluna Gente Fronteiriça do Jornal Fronteira Meridional, edição do dia 01/09/2011